O
que ocorre na ante-sala da morte
Cardiologista
rompe o silêncio da ciência sobre relatos feitos por pessoas
"ressuscitadas".
Alessandro Greco
Acostumados
a lutar contra a morte, dificilmente se esperaria, de profissionais
racionais como os médicos, uma reflexão ao estilo de Hamlet,
de Shakespeare, diante do fantasma de seu pai, sobre o que pode acontecer
depois que a consciência abandona o corpo. Nos últimos
tempos, porém, quando se tornaram freqüentes os casos em
que massagens cardíacas e estimuladores elétricos restauram
a consciência ou a vida de indivíduos clinicamente mortos,
a discussão tornou-se obrigatória.
Nas
conversas nos corredores dos hospitais, cirurgiões e anestesistas,
a contragosto e quase se desculpando, relatam histórias de pacientes
que se lembram do que sentiram e viram nos minutos em que pararam de
respirar e o cérebro não estava mais recebendo oxigênio.
Mais pragmático que seus colegas, o cardiologista holandês
Pim van Lommel resolveu dar a essas conversas um tratamento científico.
Lommel compilou entrevistas com pacientes que "passaram para o
lado de lá" e voltaram. A experiência foi publicada
na respeitada revista médica inglesa The Lancet e causou controvérsias
no mundo todo.
Não
por acaso cientísta proveniente de um país onde a eutanásia
é praticada com mais desembaraço do que em outros lugares,
o holandês Lommel juntou-se a um punhado de especialistas acostumados
a mexer com temas mais familiares hoje em dia aos místicos, paranormais
e, infelizmente, aos aventureiros e ilusionistas, do que aos médicos.
As conclusões a que chegou são consideradas no mínimo
impressionantes.
O
cardiologista entrevistou 344 pacientes de dez hospitais da Holanda
que tinham sido considerados clinicamente mortos - condição
estabelecida a partir de um eletrocardiograma. Para os médicos,
uma pessoa é considerada clinicamente morta quando o cérebro
não recebe suprimento suficiente de sangue, como resultado de
falta de circulação, oxigenação ou de ambos.
Nesses casos, se não forem realizadas tentativas de ressuscitação
em um prazo de cinco a dez minutos, os danos cerebrais tornam-se irreparáveis
e não há como sobreviver. Dos pacientes entrevistados,
62, ou 18%, disseram ter passado por uma experiência que os estudiosos
chamam de quase-morte. Os outros 282 não lembravam de coisa alguma
do período em que estiveram inconscientes.
Nos
casos de lembrança, as pessoas relatam diversos tipos de visões.
As mais comuns são sensações de se ver fora do
corpo, a percepção de uma luz em um túnel escuro,
o encontro com amigos e parentes queridos já mortos e a revisão
da própria vida em flash-back. Os relatos não são
originais. Desde que o assunto começou a ser estudado pelo americano
Raymond Moody, em 1975, os estudiosos perceberam que as lembranças,
embora não sejam idênticas, obedecem a um mesmo padrão.
Isso ocorre, notaram os estudiosos, mesmo em diferentes culturas. Pessoas
em estado terminal, com câncer ou Aids, ou que entraram em coma
em conseqüência de acidentes, tentativa de suicídio
etc. também relataram experiências similares.
Os
relatos se repetem
Embora
não sejam idênticos, os relatos de pessoas que disseram
ter passado por uma experiência de quase-morte (near-death experience,
ou NDE, em inglês) têm muitos elementos em comum, conforme
foi observado pelos estudiosos desse tema.
A
seguir, são descritas algumas dessas semelhanças:
Projeção
do corpo
-
A sensação de que a pessoa deixou o corpo e está
pairando acima dele. Ela pode mais tarde descrever quem estava no local
e o que aconteceu.
Movimento
em um túnel
-
A sensação de se locomover em um túnel escuro.
Bem-aventurança - Lembrança de ter sentido uma emoção
profunda.
Visão
de luz
-
A sensação de ir de encontro a uma luz, descrita como
dourada ou branca, que exerce profunda atração.
Encontro
com pessoas já mortas
-
Podem ser pessoas muito queridas que já morreram, reconhecidas
ou não, seres sagrados, entidades não identificadas ou
"seres de luz", muitas vezes símbolos da própria
religião.
Revisão
da própria vida
-
A sensação de ver ou reexperimentar eventos significativos
ou triviais da própria vida, algumas vezes sob a perspectiva
de outras pessoas envolvidas. Como resultado disso, a reformulação
das próprias opiniões sobre as coisas e mudanças
que serão necessárias caso tenha uma segunda chance.
Entendimento
-
A sensação de entender tudo, de saber como o Universo
funciona.
Obstáculo
-
A sensação de ter chegado a um penhasco, cerca, água
ou algum tipo de obstáculo que não pode ser cruzado se
a pessoa pretende voltar á vida.
Retorno
á vida
-
A decisão de voltar a viver é voluntária e normalmente
associada a alguma tarefa que ficou inacabada ou á existência
de filhos.
Medicina
- Memória falsa
Lommel
queria estabelecer a freqüência desses casos em pacientes
que tiveram ataques cardíacos e os fatores que afetavam a freqüência,
conteúdo e profundidade das experiências, tais como intensidade
dos ataques, tipo de medicação, sexo, idade, religião,
grau de educação. Para isso, usou vários tipos
de entrevista-padrão aceitas normalmente em análises científicas.
Fez novamente as mesmas entrevistas dois anos depois dos ataques cardíacos,
com os sobreviventes, comparando com aqueles que, embora também
estivessem clinicamente mortos, não se lembravam de ter passado
por essas experiências.
Dois
anos depois dos ataques, 19 dos 62 pacientes haviam morrido e seis recusaram-se
a ser entrevistados de novo. Lommel só pôde entrevistar
37 pacientes, mas todos contaram novamente suas experiências quase
com as mesmas palavras. Curiosamente, quatro pacientes do grupo de controle,
ou seja, que não tinham relatado a visão de quase-morte
da primeira vez, mudaram o seu depoimento. Lommel sugere que esses pacientes
poderiam ter se sentido pouco à vontade para descrever o que
passaram na primeira entrevista, mas não há como descobrir
se isso de fato ocorreu ou se eles simplesmente desejavam acreditar
que também tivessem passado pela experiência. Estudos recentes
na área de psicologia mostram que ao imaginar que viveram certas
situações, muitas pessoas podem desenvolver o que se costuma
chamar de memórias falsas.
Mudanças
de vida
Durante
12 anos, o cardiologista-chefe do Hospital Rijnstate, Pim van Lommel,
em Arnhem, na Holanda, acompanhou os 344 pacientes de seu estudo, publicado
na revista médica inglesa The Lancet. Eram cardíacos que
sofreram processo de reanimação em dez hospitais. Entre
os 62 que disseram ter se lembrado do que ocorreu no momento em que
estavam clinicamente mortos, 13 (ou 12%) morreram logo depois de serem
entrevistados - um índice significativamente maior do que entre
aqueles que não se lembravam de nada. A idade média dos
pacientes era 62 anos, mas havia um de apenas 26 e outro de 92 anos.
Lommel relata que todos os 38 pacientes remanescentes de sua pesquisa,
tendo ou não se lembrado de ter passado por uma experiência
de quase-morte, relataram uma grande mudança em suas vidas. Disseram
se sentir melhor, ter mais auto-estima e valores religiosos.
O
acompanhamento de doentes terminais ganhou força no fim da 2ª
Guerra Mundial com o trabalho da pesquisadora suíça Elizabeth
Kubler-Ross, iniciado nos campos de concentração da Polônia.
Como professora-assistente de Psiquiatria no Billings Hospital de Chicago,
ela criou o termo tanatologia, que significa o estudo das necessidades
dos que estão próximos da morte. Durante os seus anos
de experiência, ela começou a guardar relatos de seus pacientes
e notou que muitos deles falavam de experiências fora de corpo,
túneis de luz e sensações de bem-estar, as mesmas
lembranças relatadas pelos pacientes de van Lommel no seu estudo.
Sem
explicação
O
resultado das entrevistas realizadas por Lommel com os pacientes demonstrou
que não havia um padrão definido, ou seja, nenhum fator
físico, como a duração do problema cardíaco,
a medicação ou os danos à saúde, poderia
ter influenciado aquelas visões. Além disso, as entrevistas
não confirmaram uma coincidência de fatores psicológicos
ou culturais, como medo da morte, experiências traumáticas,
idade, sexo ou religião que poderiam ter criado um estado mental
favorecedor daquela situação.
Conforme
Lommel declarou a GALILEU: "Não há uma boa explicação
para a origem ou as causas das experiências de quase-morte. Se
os fatores médicos, psicológicos ou neurofisiológicos,
por exemplo, fossem os responsáveis por essas visões,
todas as pessoas deveriam ter passado por uma experiência semelhante,
o que não ocorreu". Então, o que aconteceu?
As
explicações de Lommel surpreendem e contrariam o que normalmente
se aceita em ciência. Baseado nos dados observacionais, ele acredita
na "possibilidade da recepção da consciência
e não da sua produção pelo cérebro".
Ou seja, o cardiologista levanta a possibilidade de a consciência
não estar dentro do cérebro, portanto, não depender
exclusivamente do funcionamento dos neurônios para existir. "Como
pode ocorrer uma consciência clara no momento em que o cérebro
não está mais funcionando?", pergunta ele. "O
conceito atá agora proposto, mas nunca comprovado, de que a consciência
e a memória estariam localizadas no cérebro deveria ser
revisto", afirma.
Segundo
Lommel, o relato dessas visões amplia os limites do conhecimento
sobre a consciência humana e sua relação com a mente-cérebro.
Essa argumentação não é aceita com naturalidade
por outros cientistas. O pesquisador Christopher French, da Unidade
de Pesquisa em Psicologia Anômala da Universidade de Londres,
afirma que a pesquisa, embora meticulosa, não consegue comprovar
se as experiências ocorreram de fato durante o período
em que os pacientes estavam clinicamente mortos, ou um pouco antes ou
um pouco depois.
French
faz uma ressalva em um comentário na mesma edição
da revista The Lancet em que Lommel publicou seu artigo. Apesar da pesquisa
não mostrar uma resposta convincente, segundo ele, "estudos
desse tipo devem ser considerados um avanço diante das experiências
anteriores que visavam explicar o fenômeno". Para French,
"a natureza das relações entre a mente-cérebro
e a possibilidade de vida após a morte são algumas das
questões mais profundas sobre o lugar do homem no Universo".
No
entanto, para Luiz Eugênio Mello, professor de neurofisiologia
da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), as visôes
relatadas por Lommel têm uma explicação mais simples.
"É uma situação análoga ao que ocorre
quando uma pessoa entra numa anestesia", afirma. "Ela pode
sonhar, ter alucinações e perceber o que ocorre em volta".
Da mesma forma, diz o professor, a experiência pode ocorrer em
pessoas que inalam éter, clorofórmio, cola de sapateiro
ou lança-perfume. Essa associação, porém,
não explica por que pacientes clinicamente mortos, ou seja, sem
estimulação do cérebro, têm visões
desse tipo. Daí a falta de um consenso entre os especialistas.
Colega
de Mello na Unifesp, Cícero Galli Coimbra, por exemplo, afirma
que o fenômeno das visões de quase-morte não pode
ser explicado pelos conhecimentos atuais de neurofisiologia. "Se
o resultado do eletroencefalograma for nulo, teoricamente não
há neurônios se comunicando, disse Coimbra". "O
fenômeno sugere que existe alguma espécie de estrutura
de natureza desconhecida da física. Talvez o cérebro tenha
uma forma de projetar a consciência. Isso pode ser o que se chama
de alma ou espírito".
Lembrança
de duas experiências de quase-morte
A
pedagoga aposentada Lucy Lutf, de 66 anos, é uma das pessoas
que dizem ter passado por experiências de quase-morte. Na verdade,
ela relata que isso ocorreu duas vezes. A primeira, durante um acidente,
em 1972, quando Lucy foi empurrada por uma onda para cima de algumas
pedras à beira do mar, no Guarujá, litoral paulista. Lucy
recorda-se de que, enquanto lutava contra a morte, sentiu que o corpo
se desligava. "Deslizei por um túnel, a princípio
acinzentado, que depois foi clareando", afirma. "A minha consciência
deslizava por esse túnel e eu revivia toda a minha vida, com
os acertos e os enganos. Quase no fim do túnel, antevi o outro
lado, o que me deu uma sensação incrível de tranqüilidade
e de paz". Lucy conta que viu seu corpo sendo salvo por outras
pessoas que estavam no local e mais tarde lembra-se de ter sido levada
para um pronto-socorro pois havia ingerido muita água.
A
segunda experiência ocorreu nos anos 80. Lucy diz que resolveu
fazer uma cirurgia plástica e, apesar de ter passado por todas
as providências pré-operatórias, sofreu um choque
anafilático e uma parada cardíaca durante a operação.
"Novamente a minha consciência deslocou-se do meu corpo físico
e colocou-se acima, em observação, junto ao teto do centro
cirúrgico", conta. Ela também diz lembrar-se que
acompanhava tudo e sentia a preocupação dos médicos
tentando fazer com que ela retornasse à consciência. Diz
que ouviu o cirurgião plástico comentar que ela estava
morta e por isso tentava tranqüilizá-lo. "Depois de
ser medicada e de ser feita a massagem cardíaca, retornei",
diz. "Contei ao médico o que ocorreu, mas ele não
acreditou".
Situação
incômoda
Um
cientista falar tecnicamente em alma ou espírito - a nomenclatura
varia conforme o credo de cada um - coloca a ciência na incômoda
posição de lidar com situações anômalas
e campos desconhecidos mais familiares, por exemplo, à seara
da teologia. "Essas experiências vão ao encontro da
percepção das religiôes de que a morte é
uma travessia, uma porta, não um muro", confirma o teólogo
e filósofo Leonardo Boff em entrevista a GALILEU.
Por
sua vez, Luiz Eugênio Mello tem um forte argumento contrário.
Sensações e visões semelhantes àquelas experimentadas
pelos pacientes de Lommel também foram relatadas por pessoas
seriamente doentes, mas que não estavam ameaçadas de morrer
imediatamente, naquelas que sofriam de depressão ou até
mesmo em experiências cotidianas.
A
psicóloga inglesa Susan Blackmore, também estudiosa do
fenômeno, cética e autora do livro Experiências Fora
do Corpo, relata que teve uma visão desse tipo enquanto mantinha
uma simples conversa com amigos. Na opinião da psicóloga,
não houve nada de sobrenatural na experiência.
"Acredito
que meu cérebro usou memória e imaginação
para construir a imagem convincente do mundo do ponto de vista de alguém
que estava flutuando acima da cena em que meu corpo estava presente",
disse em entrevista a GALILEU. Segundo suas pesquisas, "qualquer
droga que leve a um estado de desinibição, provocando
um aumento de endorfina no cérebro, pode provocar uma sensação
semelhante à das pessoas que passaram pela quase-morte.
"
Blackmore também acredita que as visões resultam do "último
impulso do cérebro", e estão programadas para ajudar
a "ultrapassar o trauma da morte". Segundo ela, o sofrimento
em casos traumáticos pode ser tão grande que a natureza
estaria assim providenciando uma espécie de alucinação
para amortecer o choque da morte.
Estudos
sobre casos são antigos Relatos sobre visões do que ocorre
"do lado de lá" são antigos como as pirâmides
egípcias, as epopéias gregas e os registros das civilizações
indianas e chinesas.
Na
República, de Platão (427-347 a.C), conta-se a história
de um soldado morto pelo inimigo que viajou para a Terra dos Mortos,
mas foi proibido de beber do Rio do Esquecimento porque tinha que retornar
à vida.
A
maioria das religiões partilha o mito de um lugar onde as almas
descansam ou padecem depois da morte. O primeiro relato moderno de visões
perto da morte foi feito pelo parapsicólogo italiano Ernesto
Bozzano (1862-1943) em 1908.
Ele
relatou que muitas pessoas, em seu leito de morte, afirmavam ver conhecidos
que já haviam morrido. Em 1927, o físico inglês
sir William Barrett, membro da Royal Society, publicou o livro Deathbed
Visions, no qual relata que essas pessoas não só viam
parentes e amigos falecidos, mas contavam histórias e sons de
outros mundos.
Na
década de 60, o parapsicólogo americano Karlis Osis fez
um estudo-piloto sobre essas visões e encontrou algumas coincidências,
como o fato de a maioria dos testemunhos se referir a conversas com
pessoas já mortas.
Em
1975, outro parapsicólogo americano, Raymond Moody, escreveu
o livro Vida Após a Vida, que traz mais de cem relatos de pessoas
que tiveram morte clínica. O livro tornou-se um best-seller,
vendendo mais de 10 milhões de cópias e introduziu a expressão
"near-death experience", ou experiência de quase-morte,
no vocabulário.
Contra
o apelo místico
Na
busca de explicar o fenômeno de uma forma racional, Susan Blackmore
ganhou o apoio de vários pesquisadores incomodados com o apelo
místico normalmente atribuído a esse tipo de experiência.
O mágico e especialista em desmascarar falsos paranormais americano
James Randi, por exemplo, é categórico. "Essas visões
ocorrem quando o cérebro está relaxando, perdendo a consciência",
disse a GALILEU.
"Pergunte
a um anestesista, e ele dirá que as pessoas freqüentemente
relatam histórias desse tipo após voltar de um sono induzido."
Randi chega a confessar que passou por uma experiência semelhante
quando bateu a cabeça no chão após ser derrubado
da bicicleta por um carro.
"Fiquei
inconsciente por uns dez minutos depois que minha cabeça bateu
no chão", afirma. "Nesse período, experimentei
o fenômeno do túnel de luz e vi pessoas da minha família
já falecidas".
"
Convém lembrar que a JREF (Fundação Educacional
James Randi), sediada na Flórida, oferece 1 milhão de
dólares para quem conseguir provar, sob verificação
científica, supostas capacidades paranormais, como a telecinese
(movimentação de objetos a distância), projeção
fora do corpo, visôes etc.
Até
agora, ninguém ganhou o prêmio. No caso das experiências
de quase-morte, em especial, vai ser dífícil ir mais longe
do que Lommel, pois não há como comprovar o relato das
pessoas que disseram ter vivido as sensações relatadas.
Segundo
Randi: "Se você me disser que foi levado para Marte na semana
passada, eu não posso testar o que você diz, posso?"
Outros
especialistas têm explicações diferentes para o
fenômeno de quase-morte. Professor de psicossomática e
psiconeuroimunologia da USP e da PUC de São Paulo, Esdras Guerreiro
Vasconcellos trabalha há mais de 20 anos com doentes terminais
e afirma acreditar que as visões resultam da perda gradual da
consciência.
Em
sua atividade profissional, Vasconcellos ouviu de vários pacientes
relatos semelhantes àqueles citados por Lommel e não se
espanta com os depoimentos. "Tudo que vivemos fica registrado no
sistema nervoso", afirma. "E isso vale para situações
que não percebemos. A memória do inconsciente aparece
no momento em que a consciência desliga.
"
Para o pesquisador, o desligamento gradual da consciência traz
certos tipos de imagens e lembranças armazenadas na memória
afetiva que retornam quando a pessoa sente que está morrendo.
A
multiplicidade de explicações para os fenômenos
relatados pelos pacientes a Lommel e a outros estudiosos do assunto
coincidem em um ponto. As pessoas que passaram pelas experiências
de quase-morte relatam ter usufruído uma sensação
indescritível de bem-estar.
É
inevitável também à maioria dos que tiveram a experiência,
aproximarem-se de alguma religiâo na tentativa de explicar o que
sentiram. "O relato dessas experiências ajuda a superar a
cultura materialista moderna, que exclui a morte da vida", afirma
Boff. "Por isso ocorre a sensação de bem-estar".
"O
mesmo não se pode dizer daqueles que tiveram sonhos ou alucinações
resultantes de experiências alucinógenas, que podem ser
terrivelmente amedrontadoras. A sensação relatada pelos
pacientes de Lommel também é muito diferente daquela sugerida
no mais conhecido filme sobre o assunto, Linha Mortal (1990), tendo
Julia Roberts como uma das protagonistas.
Nesse filme, cinco estudantes de medicina resolvem atravessar a fronteira
da morte e voltar à vida para contar ao mundo como é morrer.
Mas a pesquisa transforma-se em um pesadelo quando eles tentam consertar
os erros do passado.
Também,
é claro, os relatos não se parecem com a história
romântica de Do Outro Lado da Vida (Ghost, 1990), quando o herói
(Patrick Swayze) é assassinado, mas seu fantasma insiste em permanecer
no mundo dos vivos para proteger sua mulher (Demi Moore) do assassino.
No entanto, uma história curiosa, relatada por Lommel, mostra
que algumas pessoas podem ter consciência do que ocorre a seu
redor, apesar de estarem em coma profundo.
Segundo
o relato de uma enfermeira de unidade coronária, um dos pacientes
entrevistados pelo cardiologista era um homem de 44 anos que havia tido
um ataque cardíaco e foi submetido a massagem no coração
e estímulos elétricos. Para que não se machucasse,
a enfermeira tirou a sua dentadura da boca. Uma semana depois, a enfermeira
voltou a vê-lo, já recuperado.
Na
ocasião, o paciente a reconheceu e disse: "Foi você
quem tirou a dentadura da minha boca para que eu fosse entubado. Você
sabe onde ela está". O paciente, segundo o seu relato, havia
visto todo o seu processo de ressuscitamento de um ponto acima do seu
corpo. E, segundo a enfermeira, foi capaz de descrever em detalhes o
local em que isso ocorreu e as pessoas que estavam lá".
Lommel
também não dá uma explicação para
o fato, mas conseguiu ser científico com um assunto cuidadosamente
evitado pela ciência.
Quatro
explicações diferentes para os fenômenos observados
O religioso católico dirige o Centro Latino-Americano de Parapsicologia
em São Paulo (Clapp) e destaca-se como experiente desmascarador
de curandeiros e eventos tidos como sobrenaturais. Ele diz que os grandes
parapsicólogos que estudam as experiências de quase-morte
afirmam que o fenômeno é raríssimo, espontâneo
e nada tem a ver com o além. "Uns dizem que vêem uma
luz. Claro, se levar um golpe na cabeça e apertar os olhos, vai
ver luz. Se fizer muita oxigenação, como no ioga, vai
ver luz", afirma ele. E continua: "Há quem diga que
a luz é Jesus Cristo. Mas será que Jesus se adiantou,
não sabia que a pessoa ainda não tinha morrido? Outros
dizem que viram um túnel e uma luz no fundo; ou um mar, ou um
deserto. Os relatos, de fato, são muito diferentes e não
são freqüentes, mas muito raros".
Psicóloga
e autora de livros sobre a morte Uma das mais famosas pesquisadoras
de estudos sobre causas de experiências de quase-morte, a psicóloga
inglesa Susan Blackmore é autora de quatro livros sobre o assunto,
entre os quais Experiências Fora do Corpo. Ela afirma que as sensações
e visões são perfeitamente explicáveis e podem
ser vivenciadas também por pessoas que não correm o risco
de morrer. "Qualquer coisa que provoque uma sensação
de desinibição no cérebro, como drogas, por exemplo,
pode causar uma visão ou uma sensação parecida
com aquela experimentada pelas pessoas que estiveram clinicamente mortas",
afirma. Ela acredita que, no caso dessas pessoas, as sensações
são o último impulso do cérebro para ajudar a enfrentar
o trauma da morte.
Mágico
e cético Criador da JREF (Fundação Educacional
James Randi), uma entidade que oferece 1 milhão de dólares
para quem conseguir provar, sob verificação científica,
supostas capacidades paranormais, James Randi obviamente não
acredita que as experiências de quase-morte tenham alguma explicação
além da lógica da ciência - muito menos espiritual.
Para ele, os relatos das pessoas que estiveram clinicamente mortas podem
ser explicadas por processos fisiológicos. Randi conta que passou
por algo semelhante uma vez, após ser derrubado da bicicleta
por um carro. Na ocasião, bateu a cabeça no chão
e ficou desacordado por cerca de dez minutos. Diz que nesse período
viu o túnel de luz e pessoas da família já falecidas.
Mas credita o fato ao relaxamento do cérebro ao perder a consciência.
Para
os espíritas, os relatos de pessoas clinicamente mortas que voltaram
à vida demonstram que seus espíritos estavam se desprendendo
parcialmente e vivenciando novas experiências. Se eles se desprendessem
totalmente, as pessoas não retornariam mais à vida. Segundo
Julia Nezu, as histórias sobre a passagem por um túnel
com uma luz ao fundo é literal. "Trata-se de um caminho
que as pessoas percorrem para atingir o mundo espiritual", afirma.
Ela diz que os relatos de experiências de quase-morte coincidem
com os textos feitos por médiuns em muitos livros publicados.
Segundo os espíritas, esses casos servem para mostrar à
humanidade que o espírito continua vivo após a morte.
Bibliografia
"
O Mistério da Morte
- A experiência de quase-morte, Marisa St Clair. Editorial Estampa.
Lisboa. 1999
" Experiências Fora do Corpo
Susan Blackmore. Sâo Paulo. Pensamento. 1991
" Sobre a Morte e o Morrer
Elizabeth Kubler-Ross. Martins Fontes. SP. 2001
" Vida Depois da Vida
Raymond Moody. Nórdica. SP. 1979
" The Encyclopedia of Claims
Frauds and Hoaxes, James Randi. St Martin Press. N.York. 1997
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